sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Elsa (2)


Tento desesperadamente que os meus olhos se fixem no écran do telemóvel, mas não consigo! Eles fogem sempre para o rosto dela!

E num desses relances vejo-a a rir-se de mim, do meu patético e hercúleo esforço de tentar não olhar para ela, sem o conseguir. E como ela se estava a deliciar com essa imagem.

Incomodado, ergo-me num repente, saindo daquela posição estúpida em que olhamos para o telemóvel, formando uma bossa de camelo, e olho-a, fingindo total desinteresse. Mas eis que ela me fita, séria, direta e desinibida.

Lívido, sento-me novamente. “E agora? És um homem ou um rato? Sabes perfeitamente o que quer dizer esse olhar. E agora, que fazes?

As mulheres belas e desejadas por todos, de tão habituadas a serem miradas, desenvolvem mecanismos para ignorar os olhares indesejados. Benditas sejam.

Mas o raio desta mulher pequena e discreta retribui-me o olhar. Maldita seja!

"Despacha-te. Ela espera por um sim ou por um não. É que a estação para saires está quase a chegar!". E noutro repente, encaro-a, e ela. E ela, também a encarar-me, levanta-se do lugar num jeito felino, e dirige-se lentamente para onde estou....

Eu fico a olhar para ela, embasbacado, sem conseguir adivinhar os seus pensamentos ou sequer calcular os seus próximos movimentos. Apenas fico a olhar para ela. E como estou a gostar de olhar para ela....

As suas feições são suaves como seda, muito bem acariciadas pelo sol. E esta mulher pequena e discreta passou a ser mesmo muito bonita!

A sua graciosidade no andar faz-me lembrar uma pequena gata, olhando, mirando, cheia de sensualidade. Passa por mim, devagar, dirigindo-me um (falso) tímido e discreto sorriso.

E eu, ali, sentado, parado, apenas a olhar para ela. Sem reagir, sem me mover, apenas a olhar para aquela gata.

A composição do metro parou, abrindo as suas portas, e num movimento ela salta para a plataforma, não sem antes me lançar um olhar, certificando-se de que eu a seguiria.

E eu permaneci sentado. É que aquela não era a minha estação, e por isso não tinha nada de me levantar nem sequer de sair!

Ela olhou para mim, incrédula! E eu sorri. Estava a brincar. Claro que a seguiria. Até ao fim do mundo. Acho….
(continua)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Elsa (1)


Estou sentado na carruagem de metro a olhar para o écran do meu telemóvel, alheado de tudo e de todos, aguardando apenas chegar ao meu destino, sem interrupções e sem grandes demoras.

Sinto-me em paz comigo mesmo, apesar da tarde ter sido muito atribulada. Talvez este sentimento tenha a ver com os movimentos ritmados da carruagem do metro. Quem sabe? Mas na minha placidez nem me importa.

Os últimos meses têm sido bastante complicados para mim, com inúmeras desavenças, discussões e desacordos. E como isso me tem desgastado imenso.

Farto-me de ver sem nenhuma atenção as notícias do Sapo, do Observador, do El Pais ou da Globo e levanto os olhos. As pessoas estão tão alheadas como eu estava. Ainda bem, pois desta forma nem reparam em mim, a olhar para elas.

Sempre gostei de olhar para mulheres bonitas. Acho que desde sempre todos gostámos de olhar para o belo. E eu olho não com desejo nem com inveja, mas apenas com admiração pela beleza especialmente dos pequenos pormenores.

Num vislumbre fixo o meu olhar numa mulher pequena e discreta, e tão discreta é que nem reparei nela no primeiro olhar, escondida na sua aura de invisibilidade.

Vejo que ela não se enquadra no meu conceito de grande beleza mas, por alguma razão por mim desconhecida, não consigo tirar os olhos dela.

Por fim, lá recuo no meu olhar, com receio que me perca ou, pior, que seja por ela notado. Finjo olhar novamente para o écran do meu telemóvel, mas este ri-se de mim e parece reflectir apenas a face da tal mulher, pequena e discreta.

Inevitavelmente volto o meu olhar para o seu rosto e perco-me nas suas rugas de tanto sorrir, e os meus olhos dançam ao ver o seu rosto, que parece iluminado de felicidade.

E a partir desse momento essa tal mulher pequena, discreta, tornou-se linda aos meus olhos.

Olho em redor e vejo que ninguém reparava nela. “Serão cegos, ou serei eu?” É que ela transpirava uma tal beleza despojada que já me cegava os sentidos.

Com grande esforço tento retomar o olhar fingido para o écran do meu telemóvel, mas pelo canto do olho detecto que desta vez sou eu o observado. Por ela. E entro em pânico. “Chiça, que ela está a olhar para mim. Fui apanhado!
(continua)